sábado, 11 de setembro de 2010

Goteira de bem-me-quer


Chovia naquele quarto. Apesar das reformas, da troca de piso, dos arremates do pedreiro que tudo sabia, ainda assim chovia naquele quarto.

O menino torcia, orava e pedia, por vezes em forma de poesia, temia que todo dia, parece que já previa: Enquanto ele dormiria, a chuva inteira choveria, a gota da goteira no pé, e do pé indo para a bacia.

E no amanhecer chorava aos seus pais, que no quarto haviam poças e tudo mais, até barcos feito com jornais, navegavam com suas tripulações.

Os pais apertavam seus corações, choravam o choro do não poder, e o choro caia nas águas, fazendo então crescer. A onda, um tsunami de lamentos ao pé molhado, e o menino com os olhos arregalados temia nunca mais dormir ali.

E com panos, rodos e baldes a limpeza começava, a expulsão de sujeiras e odores. A cabeça o menino coçava, pois ali ele aprendia a esquecer seus medos e seus amores.
Marcelo Poeta

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